Como a advocacia praticada por uma travesti pode influenciar no acesso à justiça? O fato de a assistência jurídica ser prestada por uma profissional transexual impacta, de alguma forma, no resultado do atendimento? Positiva ou negativamente?
A resposta para essas perguntas está em Direitos da Esquina, livro escrito pela primeira advogada travesti, socialmente assumida, a adentrar e se formar na Universidade de São Paulo, nos bancos da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Ao iniciar seus atendimentos, ainda como estudante, no Departamento Jurídico XI de Agosto, Victória Dandara percebeu que o fato de ser travesti fazia nascer quase instantaneamente, entre ela e muitos de seus “assistidos”, uma identificação que se transformava rapidamente em empatia. Trocando em miúdos, pessoas acostumadas a serem vistas de cima para baixo e atendidas por quem não conhece – ou conhece superficialmente – as suas realidades, imediatamente se sentiam mais bem representadas pelo simples fato de serem atendidas por uma travesti.
É isso que tinham em comum a mulher trans com uma demanda cível no XI de Agosto, a professora aposentada vítima de violência doméstica, a moradora da periferia que trabalhava na equipe de segurança de um hotel onde Dandara foi palestrar: todas abordaram a “Doutora Victória Dandara” porque viram na travesti alguém que iria compreender de forma mais completa seus dramas e, em consequência, prestar-lhes um atendimento jurídico mais eficaz.
No Brasil, a estimativa média de vida de uma travesti é de 35 anos. O país ocupa o vergonhoso primeiro lugar no ranking de países em que mais se assassinam pessoas transexuais já há 15 anos consecutivos. Em regra, pessoas trans são excluídas da sociedade e encontram na prostituição quase compulsória sua única forma de sobrevivência. Neste cenário, não é comum que uma travesti ocupe uma cadeira de universidade pública ou seja fonte de soluções jurídicas. Isso fazia com que a primeira reação de muitos atendidos por Dandara fosse o espanto. A segunda reação, contudo, era justamente a de se sentir mais acolhido por alguém que, em regra, também vive nas franjas da sociedade.
“Ao perceber essas reações, ao invés de voltar o olhar para a escassez de acesso à justiça devido à condição de travestilidade/transexualidade, decidi analisar a potencialidade de melhorias no acesso à justiça justamente a partir dessa minha condição”, explica Dandara. Assim surgiu a ideia para sua Tese de Láurea, com a qual se tornou bacharela pela USP, e que se transformou, agora, no livro Direitos da Esquina, publicado pela Amanuense Livros.
A autora relata que ela mesma percebeu ter uma primeira visão viciada sobre o lugar que deveria ser ocupado por uma travesti. E compreendeu isso ao atender uma mulher trans que a procurou para dar entrada em um processo de adoção de uma criança. Ao atendê-la, a advogada imaginou que ela buscava auxílio para retificar seus documentos. “Caímos, muitas vezes, em uma redução de nossas demandas e potenciais contribuições ao mundo do Direito simplificadas a esta única pauta: retificação documental. Por isso, nesse cenário, me espantei ao ouvir de Ana que sua busca por orientação nada tinha a ver com seus registros. Na verdade, ela me procurou com o objetivo de obter ajuda para realizar seu grande sonho: ser mãe”, conta Dandara.
O relato de Ana confirma a tese de Dandara de que uma advocacia trans pode atender de forma mais completa pessoas desassistidas em busca de fazer valer seus direitos. “Quando eu te vi, fiquei muito feliz. A gente sabe como é difícil pra gente chegar lá, como tudo é mais difícil. E ver você advogada, e aqui na escola ainda, é muito bom”. O nome de Ana é fictício, como o de todas as pessoas que têm seus casos descritos no livro. A escola citada por Ana é o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), de Itaquera, na zona leste de São Paulo.
A experiência de Dandara relatada no livro tem três bases. Seu atendimento jurídico à população carente feito pelo Departamento Jurídico XI de Agosto, vinculado à USP; sua atuação como uma das coordenadoras da CPI da Transfobia, realizada durante o mandato da então vereadora, hoje deputada federal, Erika Hilton na Câmara Municipal de São Paulo; e o projeto de educação em direitos humanos desenvolvido no CIEJA de Itaquera.
É a partir do trabalho nestes três locais que Dandara chega à conclusão empírica de que ser travesti pode servir como um catalisador de acesso à justiça para quem vive às margens da sociedade. E que pessoas trans têm, muitas vezes, o poder de contribuir mais decisivamente para melhorar os destinos de quem passa por seus caminhos. Para isso, basta permitir a esses corpos trans uma circulação mais livre, que vá além das esquinas para onde uma sociedade ainda apegada a preconceitos injustificáveis insiste em mandá-los.
Depoimentos sobre Direitos da esquina
A busca de Dandara por justiça e cidadania é um caminho muitas vezes espinhoso. No entanto, sua amorosidade pelas suas e pelos seus torna facilitada a luta para e por aqueles que ocupam margens sociais e enfrentam múltiplas formas de discriminação. Este livro se propõe a examinar as muitas questões através das lentes de uma travesti que percorre o caminho da advocacia.
Sara Wagner York
Jornalista
Em lugar de voltar o olhar para a escassez de acesso à justiça devido a condições de transexualidade, Dandara preferiu optar por uma análise da potencialidade de melhorias no acesso à justiça justamente a partir da sua condição de travesti. É isso que torna esta obra especial.
Sebastião Reis Junior
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Victória Dandara teima em acreditar que a igualdade entre pessoas cis e transgêneras é possível; e que o acesso à justiça é impactado positivamente pela atuação de atores do sistema de justiça que sejam transexuais, como ela. E, com essa “teimosia”, potente e nada ingênua, nos convida a assumir, como e com ela, o compromisso com a vida, com o respeito e com a dignidade dos mais vulneráveis.
Inês Virgínia Prado Soares
Desembargadora do TRF-3
Dados do livro
Autor: Victória Dandara Toth Rossi Amorim
Tema: Transexualidade, Advocacia Transfeministra, Direitos Fundamentais, Direitos Humanos.
Formato: 14x21cm
Páginas: 140
Peso líquido: 0,250 kg
Peso para envio: 0,310 kg
ISBN: 978-65-80788-26-2
Lançamento: 2024
Parcelas | Total | |
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6 x | de R$14,13 | R$84,76 |
7 x | de R$12,13 | R$84,93 |
8 x | de R$10,67 | R$85,36 |
9 x | de R$9,54 | R$85,90 |